“Como descobri que minhas filhas eram vítimas de um abusador”

 

A doméstica Marta*, 39 anos, estranhou a mudança de comportamento das filhas de 6 e 8 anos, que começaram a chorar sem motivo, mostrar sinais de agressividade e ter medo de ficarem sozinhas. Depois de assistir a uma palestra sobre pedofilia com uma policial especialista em casos de abusos contra crianças e adolescentes, chamou as filhas para uma conversa. “Com muito sacrifício, consegui tirar delas o que estava acontecendo”. Abaixo, o relato da mãe.

“Frequentava uma igreja com meu marido e minhas duas filhas, de 6 e 8 anos, e, aos finais de semana, íamos a uma chácara comunitária com os amigos dessa igreja. Fazíamos almoços juntos e as crianças brincavam, jogavam futebol e vôlei. Nunca me pareceu um lugar perigoso. Por isso me choquei quando descobri, um ano depois, que era ali, em meio a tanta gente, que minhas filhas eram abusadas por um pedófilo.

Não era algo que eu suspeitava, nem quando elas mudaram o comportamento. Elas sempre foram tranquilas e carinhosas, mas começaram a se irritar fácil. Batiam portas, brigavam entre si. Além disso, choravam do nada e tinham medo do escuro e até de ir no banheiro sozinhas.

Até podia ser coisa da idade, mas havia outros indícios de que algo estava acontecendo. Com frequência, a calcinha delas aparecia molhada. Também surgiram manchas no corpo, parecendo alergias.

Soube que esses eram sinais de crianças em situações de abuso quando assisti, um ano depois, a uma palestra de uma policial militar especializada em crimes sexuais contra menores. Mas como falar com elas sobre isso para saber se estavam sofrendo abuso?

Comprei um livro sobre o corpo humano e as chamei para conversar. Na parte que falava sobre órgãos sexuais, expliquei como as pessoas tinham bebês. Falei que namoravam, mas isso só acontecia quando a gente é adulto. E só quando amasse alguém, depois de grande, poderia deixá-lo encostar no nosso corpo.

Foi quando perguntei se já tinha acontecido de alguém tocar nelas ou encostar na ‘pepequinha’ delas. Elas recuaram, ficaram com vergonha. A mais nova disse: ‘você vai me bater se eu contar’. Falei que não, elas começaram a chorar e me perguntaram o que eu faria se elas contassem sobre uma pessoa que as tocava. Me pediram para prometer que não ligaria para a polícia. Concordei e falei que iria na casa dele pedir que se tratasse, pois tinha uma doença.

E aí elas falaram. As duas eram abusadas por um professor de educação física da minha cidade, que frequentava a igreja e a chácara com a gente. Ele as colocava no colo, enquanto estávamos almoçando ou fazendo outra coisa, e tocava no corpo delas. Ficava excitado, chegava a se masturbar e a gozar.

Fui na delegacia próxima da minha casa e fiz a denúncia. Uma advogada da igreja me ajudou, levou o caso para o Ministério Público. O abusador foi investigado e preso cinco meses depois.

Dois anos depois, um novo caso

Em agosto, comecei a desconfiar que uma sobrinha estava sendo abusada. Mas o caso dela foi até mais grave, pois houve penetração. Ela tem 10 anos, a vi crescer. Quando me visitava e tínhamos que levá-la de volta para casa, começava a chorar e tremer, dizia que não queria ir. Falava que o padrasto batia nela. Desconfiei na hora.

Além disso, minha cunhada, mãe da menina, flagrou o marido vendo pedofilia no celular. Falei com ela e trouxe minha sobrinha para morar comigo. Conversamos e gravei o que ela me contou. Começou dizendo que foi levada ao hospital pelo avô porque tinha dor de barriga. O médico a examinou nas partes íntimas, a enfermeira chegou a perguntar se ela usava absorvente interno da marca O.B. ‘E eu nem sabia o que era O.B., tia’, ela me contou.

Quando a mãe ia à igreja, o padrasto, que no geral xingava e brigava com a menina, fazia voz carinhosa e dizia ‘vem cá com o tio’. Ela ia porque tinha medo. Ele tocava nela e fazia ela pegar no pênis dele. “Saía uma gosma’, me falou a menina.

Ele dava suco para ela tomar e depois disso dormia. Só lembrava de sentir um peso sobre si e alguém mexendo por baixo de sua roupa. Quando acordava, disse que via uma “meleca amarela”.

Na terça-feira da semana passada, dia 11, fiz a denúncia em um centro da polícia civil para crimes contra crianças e adolescentes. O boletim de ocorrência foi registrado. Agora a investigação vai começar.

Um pedófilo pode ser qualquer pessoa: tio, sobrinho, primo, avô, padrinho, vizinho. Eles dão dinheiro, dão doces, querem agradar. Eles se aproveitam da ingenuidade das crianças, as ameaçam e as deixam com medo. Por isso, também, acho que tantas ficam em silêncio e é tão difícil descobrir os abusos.”

 
 

Fonte: Folha de São Paulo

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