Tendo como alvo trabalhadores da Companhia Municipal de Urbanização de Goiânia (Comurg), a Universidade Federal de Goiás deu início nesta quarta-feira (21) à segunda etapa dos testes da pesquisa Diagnóstico Molecular Rápido para Covid-19 desenvolvida por uma equipe do Instituto de Química e do Instituto de Ciências Biológicas.
Na primeira fase, no início do mês, foram testados funcionários do transporte coletivo. O estudo recebeu em julho R$ 1,3 milhão do Ministério Público do Trabalho (MPT) em Goiás e da Justiça do Trabalho, recursos que fizeram uma enorme diferença no andamento do trabalho.
“Ver a pesquisa sair de dentro do laboratório da universidade e retornar para a sociedade é o sonho de todo pesquisador”, comemora a professora doutora Gabriela Duarte, coordenadora da empreitada. Segundo ela, que é do Instituto de Química, nem em seus “melhores sonhos” poderia imaginar que teria esse volume de recursos para desenvolver o trabalho que também tem à frente a professora doutora Elisângela Lacerda, do Instituto de Ciências Biológicas, e participação de quatro pós-graduandos, dois alunos de iniciação científica e agora uma pós-doc, cuja contratação foi viável após a chegada dos recursos do MPT e da Justiça do Trabalho. A Faculdade de Enfermagem é parceira da pesquisa para a coleta de amostras.
Este foi um dos maiores montantes recebidos pela UFG para uma única pesquisa. Tudo começou quando o procurador-chefe do MPT em Goiás, Tiago Ranieri, ao ver uma reportagem sobre a pesquisa entrou em contato com o reitor da UFG, Edward Madureira para obter informações. “No início da pandemia houve muita dificuldade com os testes. A Organização Mundial da Saúde (OMS) já tinha passado orientação de que essa ferramenta era imprescindível para segurar a curva da contaminação e evitar que nossas estruturas de saúde entrassem em colapso.” Ao ser informado de que a pesquisa era promissora, mas provavelmente não teria continuidade por falta de recursos, Tiago Ranieri alterou o rumo dessa perspectiva.
Em dois dias, após uma conversa com todos os procuradores do trabalho em Goiás, parte do dinheiro já havia sido levantada. No dia 21 de julho, UFG e MPT assinaram um termo de convênio para formalizar a destinação. “Tudo aconteceu de forma muito rápida. Já tínhamos um recurso depositado proveniente de danos morais coletivos, de empresas que não cumpriram a legislação trabalhista”, explica Tiago Ranieri. O procurador enfatiza que “as empresas pagam as multas e o recurso volta para a sociedade”, como neste caso da pesquisa do teste rápido.
A pesquisa
O grupo coordenado por Gabriela Duarte desenvolveu um método de diagnóstico que detecta a presença do coronavírus (Sars-CoV-2) desde o primeiro dia de sintomas. É uma técnica de amplificação de RNA chamada RT-LAMP, semelhante ao RT-PCR – a técnica padrão ouro para diagnóstico da Covid-19-, mas com a diferença de ser mais simples, mais barata e mais rápida. A amostra coletada é a saliva e não há necessidade de uso de uma máquina cara, como no caso do RT-PCR, apenas um banho seco ou um banho-maria e reagentes.
O tempo de realização e resultado do teste dura menos de duas horas, enquanto o diagnóstico baseado em RT-PCR leva cerca de 6 horas. De dez a 30 minutos há a reação de amplificação do RNA. “Fazemos uma síntese enzimática de milhões de cópias de um pedaço do RNA do vírus.” A leitura dos resultados é feita a olho nu, por meio de mudança de cor. O custo é, segundo Gabriela Duarte, até dez vezes menor do que o teste em RT-PCR. “Essas vantagens nos permitem aumentar a quantidade de testes”, explica a professora.
Nesta fase inicial dos testes estão sendo coletadas amostras tanto para a técnica PCR quanto para a RT-LAMP. O objetivo é confrontar os resultados. Gabriela Duarte explica que nas 85 coletas dos trabalhadores do transporte coletivo os resultados de ambos os testes concordaram em 100%. “Vamos continuar com essa fase de validação para dar maior robustez à pesquisa, para ver qual é a especificidade e a sensibilidade do teste”, diz. Ela acredita que o diagnóstico estará disponível para a sociedade dentro de muito pouco tempo.
UFG comprou equipamentos
Os recursos destinados pelo MPT em Goiás para a pesquisa possibilitaram a compra de três cabines de segurança para material biológico, ultrafreezer para conservação de amostras, de equipamentos de proteção individual (EPIs) e de reagentes. “Além de estruturar o laboratório, já fizemos um primeiro teste experimental com o pessoal do transporte coletivo”, detalha Gabriela Duarte. Ela conta que a pesquisa começou em março, no início da pandemia, e como o ritmo foi intenso, o pouco que tinha em estoque para um ano foi utilizado em uma semana. “Cheguei a usar recurso do meu bolso, mas chegou num ponto que a pesquisa iria parar porque não teríamos como bancar.
Pesquisa não é fácil. É tudo muito demorado e nem sempre os resultados vêm no jeito e na velocidade que a gente espera .” O projeto também foi contemplado com editais da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg) e do CNPq. O procurador Tiago Ranieri lembra que é impossível mensurar os benefícios que a pesquisa irá trazer para a sociedade ao longo do tempo tanto no combate desta pandemia quanto de outras ocorrências endêmicas de saúde. “A equipe estará mais estruturada também para outros cenários.”
O procurador-chefe do MPT em Goiás afirma que o projeto tem até uma importância histórica por mudar o quadro de sucateamento enfrentado pelos pesquisadores. “A universidade e os professores ficam com pires na mão correndo atrás de recursos. Muitos se cansam e são cooptados por outros países. A pandemia está desconstruindo este momento de trevas que a pesquisa brasileira estava passando”, diz Tiago Ranieri.
“Para meu grupo de pesquisa a destinação deste recurso foi fantástica. É um incentivo muito grande. Já submetemos um artigo, fruto deste trabalho, para uma revista internacional. Para a UFG foi um enorme investimento porque os equipamentos adquiridos ficarão patrimoniados para a instituição. É um grande avanço”, comemora Gabriela Duarte.