As novas dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores, mesmo os que têm alguma ocupação, não aparecem com nitidez em estatísticas recentes. Há nelas sinais positivos, como a redução das taxas de desocupação e o aumento do número de trabalhadores com carteira assinada. Mas o maior crescimento da ocupação é observado entre trabalhadores informais e temporários, o que indica um mercado mais precário. E para os que estão regularmente contratados, além da persistente ameaça de demissão por causa da estagnação da economia, há o risco de perda de renda provocada pela inflação. Por outros meios, a crise continua a acossar os trabalhadores.
Do ponto de vista da recomposição salarial, o ano passado foi o pior, desde 2018, para os empregados com carteira assinada. Com base em dados do Ministério do Trabalho, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) constatou que quase a metade (47,7%) dos acordos e convenções coletivas negociados em 2021 previu reajustes salariais menores do que a inflação. Em outras palavras, os trabalhadores dessas categorias profissionais tiveram alguma perda de renda real.
Como mostrou o Estado, o porcentual das negociações que asseguram ganhos reais aos trabalhadores vem caindo desde 2018, quando o Dieese passou a utilizar dados do Ministério do Trabalho. No início da série, três quartos das negociações (74,8%) asseguraram reajuste maior do que a inflação; no ano passado, o porcentual tinha despencado para 15,8%.
O Dieese vem avaliando os reajustes salariais das principais categorias profissionais há mais tempo. Este tem sido um de seus trabalhos mais importantes para a aferição das condições de vida dos trabalhadores. Antes de 2018, o organismo sindical aferia as negociações coletivas das 800 principais categorias profissionais do País.
Na série mais longa dos estudos do Dieese, observa-se que, neste século, somente em 2003 os resultados para os trabalhadores foram piores do que os do ano passado. Naquele ano, 58% das negociações resultaram em correção salarial inferior à inflação. Foi um ano de dificuldades e incertezas variadas para o País, por causa da inflação em alta e, sobretudo, por ser o primeiro de um governo liderado pelo PT (era o início do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência da República).
Hoje, o cenário, como observou para o Estado o economista da LCA Consultores Bruno Imaizumi, é delicado, como produto da combinação de inflação com desemprego alto. O resultado, além de maiores dificuldades para os trabalhadores, pode ser a inibição da atividade econômica. “A grande parcela de reajustes salariais perdendo para a inflação pode limitar o consumo e a atividade, com desdobramentos sobre a inadimplência”, adverte o economista. Na capital paulista, a inadimplência ainda não está subindo, mas cresce o número de famílias endividadas – que tomam empréstimos para compensar a perda de renda por causa da inflação –, o que pode impulsionar a inadimplência mais adiante.
Fonte: Estadão