Reuniões on-line, trabalho à distância, conversas via plataformas e redes sociais. As relações virtuais, tendência acelerada desde o início da pandemia, em 2020, chamam atenção para o desafio de se fazer bem compreendido no trabalho também não presencial, evitando mal-entendidos que podem prejudicar as trocas e a produtividade. O cenário é analisado por psicólogas entrevistadas pelo POPULAR, que apontam princípios da Comunicação Não-Violenta (CNV) como válidos em qualquer contexto.
A CNV é uma proposta apresentada pelo psicólogo norte-americano Marshall Rosenberg (1934–2015), autor do livro Comunicação Não-Violenta (Nonviolence communication: a language of life), publicado originalmente em 1999 e, no Brasil, em 2006. Ele destaca quatro pontos fundamentais: observação, sentimento, necessidades e pedido. O que exige atenção às próprias reações e empatia. Mas como exercitar tais princípios nos contatos apenas virtuais? Principalmente nas mensagens de texto, os riscos de uma interpretação equivocada existem.
“Na comunicação, 55% do que transmitimos é através da linguagem corporal, 37% através do tom de voz e apenas 8% é a mensagem em si. Quando escrevemos um texto, estamos reduzindo a possibilidade de compreensão a 8%. Ou seja, sempre é melhor acrescentar tom da voz (falar ao telefone ou mandar áudio) e melhor que isso, ver-nos (nem que seja por tela de vídeo)”, observa Pamela Seligmann, psicóloga e pedagoga argentina, professora da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje), que se dedica ao desenvolvimento de pessoas e equipes de trabalho em empresas desde 2001.
Pamela alerta para não deixar que a correria do dia-a-dia nos faça diminuir a conexão com o outro, mandando mensagens que podem gerar confusão. “Melhor investir um pouquinho de tempo e garantir que estamos expressando o que queremos. De qualquer forma, não podemos saber o que o outro vai compreender e, por isso mesmo, é importante checar.”
Considera-se violência a expressão que acontece quando uma necessidade não é atendida, esclarece ela, afirmando que a CNV pode ser aplicada no trabalho on-line tanto quanto no presencial. “O trabalho on-line, no entanto, pede alguns cuidados a mais, não por se tratar de CNV, mas porque o fato de estarmos frente ao computador nos convida a entrar em algumas armadilhas”, destaca.
“Para gerar conexão com o outro é muito importante que estejamos presentes – e com isso quero dizer, atentos, com uma escuta ativa e empática, querendo de fato ouvir e genuinamente interessados no que o outro está comunicando e também atentos ao que queremos comunicar. Estar diante de uma tela com múltiplas demandas simultâneas, pode fazer com que mudemos o foco e diminuamos essa presença. Como? Fazendo outras tarefas simultaneamente, fechando a câmera durante a reunião, por exemplo”, salienta ainda.
A dificuldade de clareza se acentua quando o diálogo se faz por meio da tecnologia, concorda a psicóloga Marina Morabi, mestre, docente e coordenadora do Programa em Nome da Vida (Cdex/Proex/PUC Goiás). “Nas relações on-line a comunicação precisa ser ainda mais cuidada, porque não estamos percebendo, na maior parte das vezes, o tom de voz, o contexto que antecede a comunicação, bem como o contexto de quem as recebe, as expressões não verbais, além da tecnologia, por vezes, nos proteger e nos facilitar expressar aquilo que pessoalmente refletiríamos um tempo a mais antes da fala, porque nos sentimos quase que protegidos atrás da tela. Construímos uma falsa ideia de que a tela propicia um quase anonimado nas falas e nos comportamentos, o que favorece falas mais persecutórias ou violentas”, avalia.
Outro fator relevante, conforme Marina, é que as comunicações de trabalho mediadas por tecnologia tendem a ser diretas ao ponto. “Ou seja, perdemos os tempos livres que favorecem a conexão humana e a formação de vínculos afetivos. Se só nos falamos para resolver demandas e dar encaminhamentos do trabalho, as relações tendem a ir ficando cada vez mais distanciadas, menos empáticas e colaborativas, sendo mais tendentes, portanto, a não favorecer o contato nem com nossas próprias demandas nem com as dos nossos interlocutores.”
Essas falhas nas conexões resultam em perdas. “Sempre que os processos deixam de ser dialógicos no sentido de uma escuta atenta e cuidadosa e uma fala que favoreça a expressão do outro e não a iniba, perdemos a capacidade de colaborar e co-construir, que é a base para um trabalho em equipe efetivo, independente da área de atuação.”
Fonte: Jornal O Popular/ Karla Jaime