O comércio varejista pode abocanhar cerca de 40% dos recursos previstos para serem liberados este ano pelo governo caso se confirme a aprovação da PEC Kamikaze, segundo um estudo da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) obtido com exclusividade pelo Estadão/Broadcast.
O estudo estima que as principais medidas da PEC gerem um gasto de R$ 41,2 bilhões até o fim de 2022 em ações que incluem aumento do valor do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 e o cadastro de mais 1,6 milhão de novas famílias beneficiadas, ampliação do vale-gás e auxílios extras para caminhoneiros e taxistas. Desses recursos, a CNC espera que R$ 16,3 bilhões sejam gastos em compras no varejo.
Metade dessa verba ficaria concentrada nos segmentos de supermercados (R$ 5,53 bilhões) e de combustíveis (R$ 3,03 bilhões). Os estabelecimentos que comercializam tecidos, artigos de vestuário e calçados absorveriam mais R$ 2,32 bilhões; artigos de uso pessoal e doméstico, que incluem as lojas de departamento, ficariam com R$ 1,42 bilhão; móveis e eletrodomésticos, R$ 1,41 bilhão; farmácias e perfumaria, R$ 690 milhões; e os demais segmentos juntos, R$ 1,87 bilhão.
Segundo o economista Fabio Bentes, responsável pelo estudo da CNC, o cálculo considera apenas as medidas que influenciam diretamente o comércio.
“É como se a massa de rendimentos da noite para o dia sofresse um incremento de quase 3%”, apontou Fabio Bentes.
O economista estima que a injeção de recursos represente uma média de R$ 6,89 bilhões adicionais por mês na massa de renda em circulação na economia, considerando os recursos obtidos de todas as fontes, não apenas os do mercado de trabalho.
“Se a renda sobe 1%, na média, o impacto no varejo costuma ser de 0,5%, as vendas sobem 0,5%”, explicou Bentes, lembrando que os demais recursos são destinados ao consumo de serviços, pagamento de dívidas e poupança.
Desempenho do varejo
O volume vendido pelo comércio varejista cresceu 0,9% em abril, em relação ao mês imediatamente anterior, após já ter crescido em março (1,4%), fevereiro (1,4%) e janeiro (2,4%). Os dados são da Pesquisa Mensal de Comércio (PMC) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“Os dados da Pesquisa Mensal de Comércio de janeiro, fevereiro, março e abril só têm números positivos. Isso coincide com o impacto do Auxílio Brasil este ano”, disse Bentes. “Lembrando que a conjuntura não está nada favorável, inflação alta, juros em elevação, mercado de trabalho ainda crescendo no emprego mas caindo na renda. Então o grande peso é do Auxílio Brasil”.
Bentes espera que os benefícios comecem a ser pagos em agosto, diante da pressa do governo pela implementação das medidas, a poucos meses das eleições.
“Não tenho a menor dúvida que, no curto prazo, o impacto será positivo. A gente costuma olhar o outro lado da moeda. E aí a gente vai passar a tangenciar o problema fiscal, e a gente sabe a consequência disso, dessa expansão de gastos: seguramente, é inflação resiliente”, alertou Bentes.
Entre os efeitos reversos esperados estão os decorrentes do prolongamento do aperto monetário em curso no País. Bentes estima que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central aumente a taxa básica de juros, a Selic, dos atuais 13,25% ao ano para 13,75% ao ano na reunião de agosto. Caso a Selic seja mantida nesse novo patamar até maio de 2023, haverá uma retração nas vendas de bens de consumo via crédito, o que eliminaria em apenas nove meses o impacto positivo sobre o varejo dessa injeção de recursos da PEC.
“Se a Selic continuar em 13,75% em maio do ano que vem, esse ganho de curto prazo pode ser anulado por conta desse encarecimento do crédito”, previu Bentes.
O economista da CNC calcula que o comércio varejista brasileiro tenha faturado, em média, cerca de R$ 221 bilhões de reais por mês em 2021.
“Então, se a gente está falando de R$ 16 bilhões em cinco meses, é pouco, é bem pouco. Um pouco mais de R$ 3 bilhões por mês num faturamento médio de R$ 221 bilhões por mês. Vai ter um efeito positivo, mas também não vai essa coisa toda não”, concluiu.
Fonte: Estadão