A relação, que nunca foi fácil, por um tempo parecia andar bem. Havia opções. Os anos passaram, a crise chegou e se estabeleceu e os problemas se tornaram maiores e cada vez mais claros.
Dentro ou fora do mercado formal, os impactos da relação com o trabalho na saúde mental do brasileiro se deterioram, e em todos os níveis de ocupação, de acordo com mais de 800 entrevistados, entre junho e julho, por uma pesquisa ainda inédita.
Ansiedade, depressão, insônia, síndrome do pânico, burnout e uso de remédios controlados, álcool e drogas ilícitas, entre outros, são algumas das consequências listadas.
Realizado por uma consultoria especializada em cultura organizacional de empresas, em parceria com o sociólogo Ruy Braga, professor da Universidade de São Paulo e coordenador do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania (Cenedic), o estudo colheu as respostas em questionário disponibilizado na internet durante dois meses.
A partir do método de estudo de caso ampliado, a pesquisa fundamenta-se na teoria do psicanalista francês Christophe Dejours, especialista em medicina do trabalho e autor, entre outros, de “A Loucura do Trabalho”.
A amostra foi definida segundo critérios como renda, sexo e localização geográfica —variáveis oferecidas por ferramentas online que evitam direcionamento a pessoas que tenderiam a responder afirmativamente ao questionário.
Apesar de perene, o problema se agravou depois de 2015, com a percepção de que a derrocada econômica que atingira o país era uma realidade inevitável à maioria dos trabalhadores. A sensação de estar com o emprego em perigo é uma das causas alegadas de sofrimento, não por acaso.
Um ano antes, em 2014, o Brasil havia registrado a menor taxa média de desemprego da série histórica (6,8%). Em 2015, esse número passou a 9,8%, segundo o IBGE.
Após queda no trimestre passado, a taxa chegou a 11,8%, mas com crescimento e novo recorde de informalidade, que atinge 41,4% dos ocupados.
Para 78% dos entrevistados, o trabalho contribui ou já contribuiu com seu adoecimento.
Entre as mulheres que se declaram negras, o percentual é maior: 85%. É o mesmo índice para aqueles que são empregados com vínculo formal —o que, ao lado da variedade de perfis dos entrevistados, aponta para a multiplicidade de fatores que desencadeiam o estado de sofrimento.
Numa escala de 1 a 10 para a concordância que o trabalho, ou a falta dele, contribuem ou já contribuíram em casos de adoecimento e sofrimento psíquico —sendo 1 nenhuma contribuição e 10 muita contribuição—, a média ponderada das respostas foi 7,5.
Para Thatiana Cappellano, da consultoria 4CO, e uma das autoras da pesquisa, é impossível não relacionar o trabalho com a própria identidade do trabalhador. “Há empresas que colocam o nome dela no nome dos funcionários [para ser usado durante o expediente], ou seja, há uma despersonalização”, afirma.
Fonte: Folha de São Paulo